Educação Física, Jornalismo, e um Astronauta Russo em Praia Grande — Parte 1

Bruno Guma
5 min readJul 23, 2021
Tina e João

Sábado, 18:00. Julho de 2021. Saio de casa em São Paulo de mochila e caminho até o metrô Vila Mariana com direção ao Jabaquara. Por dois minutos perco o ônibus das 18:45, então me dirijo ao outro guichê de outra empresa e compro a passagem das 19:30, que para em uma rodoviária mais longe, com destino à Praia Grande.

Domingo, 17h20. Desço as escadas e encontro com minha mãe na sala. Pergunto se podemos fazer a entrevista que tínhamos combinado. Aperto o botão record do gravador do celular. Faço a primeira pergunta. Minha mãe, Maria Vicentina Pollini Soares, loira alta e magra, conhecida como Tina, de 56 anos começa falar.

Nascida em 1965 em São Paulo, um ano e meio depois do meu tio João Paulo Soares nascer, veio para Praia Grande com 5 meses de idade. Seu pai, meu avô, João Muniz Soares, um homem moreno e quieto quando eu o conheci, veio para trabalhar na Cosipa — Companhia Siderúrgica Paulista, em Cubatão, para ser mecânico de manutenção e trouxe a família junto. Sua mãe, minha avó, Thereza Pollini Soares, de cabelos loiros e curtos e sempre carinhosa, não trabalhava mais. “A gente morou de caseiro naquela rua Espírito Santo, depois, mais pra frente, isso tudo eu era bebê né, a gente foi ser caseiro na Av. Paris, fiquei até meus 24 anos.” Era uma casa de temporada, e atrás era a casa em que moravam. A casa da frente era um chalé de madeira, e a dos fundos era uma casa que tinha um quarto, sala, cozinha e o banheiro do lado de fora. Era uma casinha simples.

Com o tempo sua avó paterna foi para Praia Grande morar na casa da frente que ela havia comprado, e eles foram morar na casa principal. “Só que minha avó jogava direto na cara que aquela casa era dela, não nossa. Brigava, fazia escândalo, e a casa foi ficando velha e meu pai nunca arrumava. Tinha goteira, tinha um monte de coisa. Depois minha avó morreu aí a casa ficou nossa e foi ficando deteriorada, deteriorada.” Depois da casa da Av. Paris, foram morar em uma casa na Vila Tupi. O terreno da casa da Av. Paris foi trocado por um apartamento de um prédio que seria construído no local, mas eles não se mudaram para lá por causa do cachorro. Isso foi por volta de 90, 91, quando minha mãe já namorava meu pai Antônio. Quando minha mãe se casou, minha avó e meu avô se mudaram da Vila Tupi e foram morar na rua Rio Branco, mais perto dos meus pais, onde moraram até o fim, meu avô em 2002, e minha avó em 2011.

O relacionamento da minha mãe com meu tio era normal. Meu tio diz que até certa idade foram muito próximos. Brincavam juntos no quintal de casa ou na rua, com os vizinhos da Av. Paris. A rua era de areião da praia, demarcada por valas de esgoto. “Minha irmã sempre foi mais elétrica, expansiva, pragmática”, diz meu tio, “não tinha muita paciência para coisas que demandavam calma e reflexão, perdia a linha fácil.” Já ele era o oposto: calmo e mais lento, mais introspectivo. Foi criando fama de “inteligente” e se tornando cada vez mais magrelo e tímido, enquanto minha mãe se destacava nos esportes e beleza. Ambos começaram a trabalhar cedo, de maneira que os caminhos começaram a se afastar. “Na verdade, fui eu que me afastei cada vez mais”, diz meu tio, “não apenas dela, mas de todos na PG, porque queria cair no mundo — e isso acabou criando um contraste grande entre as nossas trajetórias depois de adultos. Ela fixou raízes, constituiu família e dedicou a vida a isso, enquanto eu fui me perdendo, pulando de cidade em cidade, de casamento em casamento, de emprego em emprego, meio sem rumo.”

Minha mãe começou a trabalhar com 15 anos e meu tio aos 14, e aconteceu de forma quase acidental. Minha avó foi procurar emprego para meu avô, que estava aposentado por problemas na coluna mas que ainda podia trabalhar já que a pensão dele e o salário da minha avó não eram suficientes. “Naquela época tinha a prefeitura e a Prodep, uma empresa de economia mista com a prefeitura, ela conhecia o diretor, Dr. Jener, aí ela foi lá pra ver se arrumava um serviço pro meu pai de motorista, que na época tinha táxi, então ela entrou lá comigo, quando a gente entrou e ela pediu um emprego pro meu pai ele falou assim: olha, pro seu marido eu não tenho, mas pra ela eu tenho, e eu fiquei assim né, foi um choque pra mim porque eu tinha 15 anos, e eu estudava, estava no primeiro colegial, estava jogando e ia participar dos jogos regionais, Jacareí na época, ia jogar basquete e tal. Aí fiquei triste, a minha mãe na hora aceitou né, eu fiquei triste, deprimida, mas fui porque precisava, ele foi tão bacana o Dr. Jener: não, tudo bem, eu libero você pros jogos. Isso foi em 81”. Minha mãe trabalhou lá por 5 anos, foi onde viria a conhecer meu pai e se casar em 1992.

Em 1983 minha mãe entrou na faculdade de Educação Física. Na época eram só 3 anos, e ficou mais um tempo trabalhando na Prodep até achar uma escola para dar aula. Pergunto para ela o que a levou a ser professora. Ela me diz que meu avô, foi casado no RS e teve outros filhos antes de conhecer minha avó em São Paulo. A Simara foi uma filha que chegou a frequentar a casa da minha mãe, ela ficou com a avó, a mãe do meu avô. “A gente gostava dela, ela vinha pra cá, ela mandava carta, veio pra cá uma vez, só que eu não sabia escrever e recentemente, quando eu peguei todos os documentos da casa da avó Thereza, achei uma carta que ela mandou pra gente que ela diz que com 3 anos eu falava que já queria ser professora, entendeu? Com 3 anos de idade. Mas até aí eu não lembro, só que quando eu comecei a estudar, e quando eu tive a minha primeira aula de Ed. Física com a professora Sandra me apaixonei por aquilo, porque eu me dava bem em tudo, era dar uma bola na minha mão eu me destacava, era mandar correr eu me destacava, era mandar saltar eu me destacava. Então a professora vivia me elogiando, era onde eu me destacava, ali na Ed. Física, então fiquei até meio popular, eu e todo mundo que participava e jogava era popular na escola né, eu me apaixonei por aquilo, coloquei na minha cabeça que eu ia ser professora de Ed. Física e não tirei mais. E fui.” A Simara morreu atropelada com 13 anos de idade.

Parte 2

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